Janela Dramática V

[As luzes se acendem apáticas e brancas. Uma cama de casal revirada ocupa o centro do palco com sua vida de cama enquadrada num tapete velho, redondo e ranzinza, de cores que já desbotaram na sua velhice. Dos dois lados encontram-se criados mudos, quietos, equilibrando guimbas e maços pobres de cigarro em suas testas. Sobre a cama está um lençol úmido de suor e sobre ele os corpos de uma mulher e um homem. Faz calor e sobre a cabeça de todos os objetos presentes um ventilador bêbado mantém um monólogo incompreensível. A mulher está sentada, crua, estirada sobre si mesma com o cabelo tão revolto quanto suas ideias, sua vida era como um rosto borrado de batom. O Homem está deitado como um bicho macho, os braços cruzados apoiando a cabeça, fuma um cigarro deixando seus olhos perdidos na fumaça, sua vida é exatamente aquilo ali, cheirando. Eles ficam em silêncio; o tempo vaza, o ventilador reclama, a fumaça se dissolve e nem um nem o outro está. Ele faz qualquer movimento descalculado, ela finge que não vê; ela afunda o rosto nas mãos, ele finge que não vê, o cenário se ignora mutuamente. Ele se levanta, recoloca a roupa e enquanto se alinha olha fixamente as costas dela, o pouco que vê de seus seios lhe dão asco, esboça alguma coisa, talvez um gesto, uma palavra, mas não diz nada... seus passos ecoam pelo espaço, abre uma porta invisível, sai e bate com força assustando todos da plateia, desaparece. Ela descola a mão do rosto, sua mão está úmida de respiração e lágrimas que fugiram sem seu consentimento, ela fita, hermética, a palma das mãos. O cenário começa a vibrar lentamente, tudo está ficando inconstante e a vibração vai aumentando, aumentando e aumentando, o teatro todo parece tremer como se o universo fosse se romper, ela grita com todos os músculos do rosto retesados numa expressão aterradora, tudo parte-se como um espelho gigantesco e cacos reflexivos cortam e ferem uns mais outros menos, as luzes se apagam negras e indiferentes.]


  

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