O Marinheiro e o Mercador



“Trouxe em minha nau espólios de  uma viajem inválida de sonhos e tempestades”

“E trouxeste ouro e prata?”

“Não, mas cicatrizes de metal cunhadas no amor fundido de vulcânicas desilusões de amante que nunca existiram!”

“Trouxe então preciosas pedras, joias e marfim!”

“Tão pouco, pelas mares carreguei até aqui a marca de um beijo sifilítico de amor, talhado nas bordas da taça da consciência da primeira prostituta.”

“Então trouxeste especiarias, temperos raros, perfumes de terras distantes?”

“Em meus porões somente estoquei o suor sulfúrico dos cidadãos de Sodoma e a saliva secreta de Gomorra. Está a água cruciante da paixão de Pilatos.  Está o reflexo de todos os pecados perdoados  pelas mãos perfuradas dos escravos de Cezar!”

“Então não trouxeste nada de valor?!”

O marinheiro num gesto oceânico desabotoou o peito, destrancou seu esterno e nas Obras Vivas de seu coração pode se ver algas, conchas, saudades e caramujos incrustados ao longo da linha d’água, desembarcando em uma proa de presunçosas veias florescendo em um mastro de artérias que lembravam os chifres de um cervo velho.  Nas masmorras orgânicas de átrios e ventrículos apenas havia sangue. O mercador doou tudo que possuía e se afogou após se chocar com uma poesia no Cabo da Boa Esperança.  



Sempre Seus: Vito Julião

2 comentários: