O afinador de tambores

Era como se ele adivinhasse aquelas coisas, um co-sentir que o assombrava na forma de linhas invisíveis entre os corpos , como a relação que nossa sombra tem conosco: uma copia ou um reflexo, não pura arte mimética, mas talvez a completa possessão. E nesse caminhar de quem sabe que palavras seduzem, conheceu uma figura com alma de artista, um daqueles seres que possui um amor quente e vivo por tudo que o espaço toca. Foi um reconhecimento mútuo e instantâneo, o encontro da fome com a vontade de viver. As mãos estendidas e o aperto caloroso, mas algo constrange a cena: a mão do sujeito pareceu pesar como uma prisão, ele se viu, de repente, capturado por uma palma costurada na outra palma, logo a tensão: algo surgiu ali. Ele puxava e puxava tentando com certa delicadeza não escandalizar o momento, mas sentia algo vir ganhando forma de dentro da angustia de quem se vê preso: algo ressoou dentro dele e  o sujeito disse num tom de voz peculiar: “Certa vez eu conheci um homem que afinava tambores.” E com olhos de víbora firmemente colocados nos dele prosseguiu: “A ele havia sido dado um código secreto dos tambores, ao cumprimenta-lo ele segurava firme as mãos e do fundo da alma de quem ele cumprimentava, um som, que é muito mais rápido num sólido, nascia e: Tum. Tum. Tum. Lá ia crescendo e se fazendo ouvir através de suas mãos que pulsavam num marca-passo que causava uma tontura como se segurássemos seu próprio coração amaldiçoado.”   A vítima sentia em suas mãos um coração e um susto: sua sístole e diástole se adestraram ao compasso que o jogava num torvelinho, uma espécie de meditação vertiginosa. Ele co-sentia. Antes que a loucura lhe florescesse na alma o sujeito despregou o olhar, soltou lhe a mão e num sorriso se quem sabe, reatou o tom cotidiano de quem fala por falar, tagarelando como quem esconde um segredo.


Vito

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