Cinzas pingam de seus dedos...

Cinzas pingam de seus dedos
Como flocos triste de neve.
Ele era uma sombra
revirando escombros para
encontrar, por debaixo,
mais e mais escombros.
Farpas mordem sua pele e
Lágrimas rabiscavam arabescos 
Incompreensíveis na face
Coberta de fuligem

Na obsessão de revirar o que
Já estar por terra
Revolvia pedra por pedra
Num ritmo lúgubre,
calado
cata pedregulhos
lascas de madeira para um lado
ferros retorcidos para outro
se desfaz de um par órfão de
uma sapatilha verde em farrapos

De repente o susto(!)
Nas entranhas do entulho
toca a mão fria de um cadáver.
Os músculos da face se contraem
E o coração apressa o trabalho.

Envolta de si o céu cinzento
Vai tecendo a escuridão da noite.
O sol
 Pálido
Vai se enterrando no horizonte.
Já não sei de onde vem
A força que o mantém em movimento.

Das cinzas um braço se revela,
O côncavo de um seio,
A curva dos flancos,
Uma vagina suja de terra,
Coxas feridas,
Costelas e calcanhares desgastados.

Subitamente para!
Ainda não revelou o rosto.
Sobre ele baixa um véu de
Neblina e cansaço.
Dobra os joelhos ao peso do intento.
Esconde os olhos nas linhas da palma e
O corpo estatelado questiona:
Por que?
E os restos de sua vós responde:
Por amor.
Seus braços se desenrolam num
Ultimo movimento,
Inseguro,
Desesperado,
Remove a derradeira pedra e
Seu peito desabrocha em soluços.
A face do cadáver é finalmente revelada.
O sujeito se despedaça.
O morto era ele mesmo.


                                                  
                                                              Sempre Seus: Vito Julião 

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