Seu nome não importa, Ele é tão Eu quanto Você e a identidade em certas ocasiões é uma coisa absolutamente desnecessária.
Apenas é preciso saber que sua cama ficava debaixo de uma grande janela de madeira dando uma bela vista de um cemitério emoldurado por uma favela de fundo. Era um cemitério diferente, com certeza não lembra nem um pouco esse que você está a imaginar, com lápides cinzentas e frias; de uma tristeza que parece pingar e escorrer lentamente pelos cantos. Não, era na verdade muito menos triste, lembrava mais uma praça bem grande, um jardim com umas poucas arvores sempre descansando em paz.. Um cemitério municipal.
E numa manhã de chuva tinha um livro nas mãos, mas sua cabeça não estava pra literatura, largou o coitado do livrinho em um canto como indigente; procurando sem procurar apoiou os cotovelos no parapeito da janela e com a mão escorou a cabeça. Pulava de gotinha em gotinha, vagando por pensamentos que não se fixavam.
Entre um mergulho e outro um cortejo de pessoas negras com roupas alvas como olhar pro sol chamou sua atenção. Como um pardalzinho ele pousou nos fios de sua visão e ficou observando aquelas pessoas. Eram mais que poucas e menos que muitas, todas acompanhavam um alvo caixãozinho. Marchavam até uma cova escura que estava aberta na grama úmida e verdinha. Aos poucos as estranhas figuras foram se dispondo em volta da covinha, cabisbaixas, e foram baixando devagarzinho devagarzinho uma sementinha negra, plantando-a na terra. Não houve flores, apenas pá sobre pá de terra, alimentando o solo molhado.
Após a última batida, todas aquelas figuras de branco foram levantando vagarosamente as cabeças. Ele achou aquilo muito estranho e apesar de estar a uma distância considerável ele pode ver que no rosto deles não havia tristeza, não havia lágrimas. Era uma coisa diferente. Chovia e eles pareciam não se incomodar.
Seus olhos começaram a doer, aquelas figuras foram erguendo a cabeça, fechando os olhos como se dentro delas algo estivesse florescendo, e, uma a uma, foram se transformando em luz , Tambores, rebumbaram de dentro das nuvens; vi-os inspirarem a todo pulmão e as luzes subiram em velocidade de sonho desaparecendo na claridade dos céus dias de chuva.
Sorte que Ele havia escorado a cabeça, porque essa cena o deslocou no tempo, estava paralisado como o pobre livro que continuava lá, ignorante.
São poucos que tem a honra de ver o sepultamento de um poema.
São poucos que tem a honra de ver o sepultamento de um poema.
Sempre seus: Vito Julião
poesia é uma sementinha alva em terra arida...
ResponderExcluirque escorre e alimenta nossa plantaçao...
adorei!
demais o final... surpreendente!