Queimando-me na brasa de um cigarro





De repente perdi a vontade de continuar o que estava falando. Eu sei, talvez o leitor esperasse cachoeiras de lirismo ou devaneios longos e bucólicos, mas não! Quero logo quebrar qualquer expectativa e dizer de uma vez que andei a olhar aquele quadro: O Grito (de Edvard Munch) e parece que estou a olhar a um canto de mim que sempre desviei o olhar. Agora, essa pintura de uma vontade absurda de gritar, está viva na minha carne. Estou com aquela fragilidade estúpida em que parece que qualquer vento mais forte ira nos por a chorar; mas não consigo. 

É preciso muita vida interior pra se chorar. É um exercício que exige muito de nós mesmos. Não é fácil sentir a lágrima  reunir-se devagarzinho nas mais profundas auto-mentiras e deixá-la vir nascer no canto dos olhos, para depois libertá-la, deixando rolar livre pela face.  

Chorar quando se precisa é aceitar. Por isso é tão difícil. Muito mais fácil é acender um cigarro, puxar o ar queimando a brasa, depois solta o ar poeticamente, em baforadas longas e largar, numa pose estúpida que todos que fumam têm.

Sim, porque todo fumante é covarde, rende-se a uma química mística que envolve o ato de ver a fumaça deixar a boca.

Posso dizer tais coisas por também ser covarde, e antes de aceitar, combater ou simplesmente por as mãos espalmadas na cara, entre o maxilar e as orelhas e gritar, acendo com as mãos tremulas um cigarro e vou fumantemente para um canto de mim, satisfeito com uma espécie de analgesia poética.

Disseram-me que escrevo de mais e vivo de menos. Eles estão certos, mas as coisas estão mudando e de um surdo grito estão se transformando em uma bela noite estrelada.

 Isso é tudo.

 

 

Sempre seus: Vito Julião 

Um comentário:

  1. seus textos e poemas sao incriveis vito....
    saudades, marcela miyuki

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