Eu e as cenas tristes


(Girassóis - Vincent Van Gogh)


O sol deitava-se exausto de percorrer a abobada celeste, e voltava carinhoso para o abraço do horizonte. E a sombra do amor dos dois cobre a terra do um azul quente e escuro, chamuscado de pontinhos brilhantes. Penas que as luzes da cidade atrapalham ver todo esse espetáculo.
Mas sem essas luzes Ele nunca teria dado o primeiro passo na noite nova, sim, porque toda noite é nova, mas aquela seria especial. A cidade era nova, a roupa era nova, o espírito era novo. Cada passo levaria a Ela, e como tudo ficava fácil à perspectiva de vê-la,  a roupa era confortável como o próprio braço, era quase uma parte do corpo de tão bem que caia , assim também para o sapato, para o perfume e até para o celular.
Vou encontrá-la. Isso basta. E a cidade ia cooperando, o clima era bom, as pessoas gentis, e o tempo de tão generoso parecia até um pai ou um irmão mais velho. Os bancos dos ônibus nunca foram tão confortáveis como naquela noite, nem os cobradores tão bonitos e sorridentes, até o bêbado que dormia lá para os últimos bancos parecia dormir com a alma leve e inocente.
O local do encontro...
Veja como essa praça brilha, veja como a lua curiosa espia por de traz das arvores altas. Olá lua, como tem passado? E lá estava sentado num daqueles banquinhos brancos. Esperaria de pé, pois ela chegaria logo, mas a ansiedade fez com que os átrios e os ventrículos pipocassem  desesperados; mas quando ela chegasse daria um salto. Suas pernas tremiam incontroláveis.
No meio de uma noite mineira ele estava sentado, não olhava o relógio que se agarrava ao  pulso, sabia que as horas passavam; deve ter acontecido algo...Olhou o celular, acabou que viu as horas , mas nem uma mensagem. Quis ligar, mas sabia que ela ia chegar a qualquer momento, também não queria parecer chato, havia um bom motivo para o atraso, não tinha com o que se preocupar. A expectativa de uma felicidade parecia maior que a própria felicidade. A esperança mora dentro do coração e custa a abandonar sua morada.
Mas o tempo passa, as pessoas passam, os pombos voam, e até a lua, antes curiosa, parecia perder o interesse, e aos poucos ia se distanciando, subindo e subindo...
A roupa começou a ser desconfortável. Tinha a impressão de que os sapatos apertavam um pouco os dedos dos pés, parecia que dos poros da sua pele vertiam óleo... Não! Ela virá! Olhou novamente o celular, nada.
Mas espere... Olhe lá! É Ela! Sim é Ela, é ela mesma! Mas por que seu pai tá esperando ela no carro? Por que a maquiagem tá toda borrada? “Oi linda, que cara é essa? O que?!”
O autor, Eu, prefiro me afastar, nunca gostei de histórias tristes. Estou do outro lado da rua, de baixo de um cone de luz laranja. Não quero ouvir o que Ela tem a dizer, não parece bom. Olhe a cara do pobre coitado, o sangue fugiu-lhe do corpo, sua postura antes confiante e espirituosa agora parece precisar de apoio, ele envelhecera de repente, rugas, olheiras e artroses abateram-se sobre sua alma. Eu não queria saber, mas sei, sei cada palavra que ela disse, até as que ela não disse eu sei. Mas não vou contar! Não consigo... Dói. Dói nele, dói em mim... Ela diz qualquer palavra de despedida, vira-se e sai correndo, não olha para traz, mas ele olhou, e virou estatua de sal.
A praça está escura e o vento está frio. Roupa nova nunca cai bem, pinica, parece um ser estranho que gruda no nosso corpo; o perfume que Ele está usando é doce de mais, me dá dor de cabeça. A cidade o ignorava. Quem era ele?
O tempo escorria como fel pela garganta, bem lentamente. Seus pés estavam atados ao chão, mas precisava voltar par casa, era necessário.
O ônibus não vinha, quando veio o motorista não parou, teve que esperar o próximo, um parou e o motorista era ranzinza, o cobrador mal encarado, o banco frio e duro. Dois namorados abraçavam-se carinhosamente, tinha asco deles,  cada beijo trocado parecia cutucar a ferida recém aberta.
Chegou seu ponto, deu sinal, desceu. Ponto da casa dele, ponto da sombra da noite, ponto do asfalto negro da rua, resistiu até aquele ponto, por que naquele ponto ele apenas agachou e chorou...
Eu queria ajudá-lo, mas não posso, não posso nem ir lá e oferecer um lenço pra ele.


Sempre seus: Vito Julião

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